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“Precisamos aprender a aprender e aprender a desaprender”, diz Gustavo Leme

Há três anos no Grupo Baumgart, profissional vem criando projetos e novas linhas para melhorar a gestão de pessoas e alavancar os negócios

Divulgação Gustavo Leme está no Grupo Baumgart há três anos e abraçou o desafio de inovar a gestão de pessoas.

Empresas familiares costumam dividir opiniões. Se para alguns a tomada de decisões é mais rápida e o clima organizacional é mais favorável pelo fato da diretoria ter uma relação mais próxima, para outros a dificuldade de fazer um plano de carreira ou a falta de processos mais profissionalizados são motivos suficientes para fugir de oportunidades em locais com esses.

Porém, é preciso analisar cada caso com cuidado, principalmente porque há empresas familiares que deram muito certo, já passaram pelas mãos de várias gerações e estão sempre em busca de pessoas imparciais que saibam identificar pontos de melhoria para que o negócio continue prosperando. Um exemplo é o Grupo Baumgart, que há três anos contratou Gustavo Leme para trazer novos conceitos, aumentar a flexibilidade dos negócios e promover mudanças de mindset, na busca por mais inovação, competitividade e excelência.

Completando 82 anos de história em 2017, o grupo multiempresarial de capital privado emprega mais de 1000 pessoas e é formado por organizações dos setores de Indústria Química (Vedacit), Shopping Centers (Center Norte e Lar Center), Centro de Exposições e Convenções (Expo Center Norte), Agronegócio (Fazendas Reunidas Baumgart e Calcário Rio Verde) e Hotelaria (Novotel Center Norte).

O Mundo Carreira conversou com Gustavo Leme, que falou um pouco sobre os desafios de trabalhar em uma empresa familiar e de como suas ideias e projetos têm contribuído para melhorar as relações internas da Baumgart. Confira.

Mundo Carreira – Você está há três anos numa empresa familiar. Inicialmente o conservadorismo foi um obstáculo para a criação e a implementação de novos projetos? Por quê?
Gustavo Leme - Pela minha experiência com processos de mudanças organizacionais, acredito que temos alguns importantes alicerces a solidificar antes de conduzir as transformações. Dentre eles, destaco: o entendimento e valorização da história organizacional, a criação de um ambiente para reflexão, a oportunidade da tomada de consciência da necessidade da mudança e, por fim, a construção e fortalecimento de relações de confiança.

A maturidade destes alicerces junto à alta liderança, ao time de RH e às estruturas de governança corporativa (como Comitê de Pessoas e Conselho de Administração), leva tempo, exige resiliência e dedicação dos executivos, o que faz muitos profissionais entenderem inicialmente esse período como conservadorismo organizacional ou lentidão, mas que na verdade é um processo de aprender a aprender ou de aprender a desaprender. Afinal, estamos tratando de mudança cultural, e isso tem a ver com mudança de hábitos, comportamentos e criação de novos rituais, e isso não se faz por imposição, não se faz sozinho e não se faz sem colaboração.

MC – Você disse que uma das primeiras iniciativas era mudar o mindset das pessoas do alto escalão. Quais as principais crenças e conceitos que você precisou mudar dentro do grupo?
GL - O processo de mudança de mindset não foi concluído, ele está bem encaminhado e sendo conduzido por várias mãos. O que fizemos junto à alta Direção do Grupo ao qual trabalho foi identificar executivos que têm potencial para nos ajudar a conduzir a organização no sentido da cultura desejada, criando e fortalecendo novos comportamentos e abrindo espaço para as conversas duras e corajosas que o negócio necessita. O nome escolhido deste grupo de executivos, selecionados para esta missão foi Kopien, que em alemão (língua natal dos fundadores do Grupo Baumgart) significa exemplares.

Este grupo exemplar está criando e sendo convidado a ser referência da prática dos novos comportamentos, criando e revistando todas as políticas, processos, ferramentas e programas de RH e sendo responsável por desenvolver o novo Programa de Liderança & Inovação do Grupo Baumgart. Diante disso, as principais crenças e conceitos que o grupo teve consciência que precisávamos mudar eram as que envolviam a necessidade de reduzir as barreiras hierárquicas, de eliminar os feudos/departamentalização, a ampliação das práticas, ações e ambientes de inovação, além de nos adaptar com mais agilidade às mudanças do mercado e aos comportamentos dos nossos diferentes consumidores.

MC- Você é especialista em gestão de pessoas. Quais problemas você enfrentou no RH e qual foi a primeira medida que você tomou para começar a mudança?
GL - Sempre digo que muitas vezes o RH é “filho de sapateiro de pés descalços”, fazemos muito para que as outras áreas avancem, ampliem consciência, se desenvolvam e performem melhor, mas dedicamos pouco tempo para fazer a mesma coisa para o próprio RH. Muitos RHs não têm RHs, e este para mim era o maior problema. Por isso, a primeira medida que tomei foi convidar o time de RH para participar desta nova caminhada e nos desenvolvermos primeiro.

Chamamos inicialmente este movimento de OLA do RH, pois se assemelharia à OLA dos estádios de futebol, que começa com poucos e depois faz o giro em toda a arquibancada, e com isso passaríamos a atender e entender melhor os nossos clientes. Hoje sou muito orgulhoso do quanto o nosso time de RH evoluiu nestes últimos três anos. Um RH estratégico existe quando a atitude do RH é de contribuição para a estratégia dos negócios por meio das pessoas, logo mudar o comportamento do time de RH era fundamental para este reposicionamento da área.

MC – A tecnologia vem ajudando e, ao mesmo tempo, desafiando os departamentos de RH. Pela sua experiência, de uma maneira geral, quais foram os prós e contras da chegada das ferramentas digitais nesse departamento?
GL - Outro dia li nas paredes da entrada de uma escola digital em São Paulo a seguinte frase: “em um mundo cada dia mais digital, as relações pessoais e verdadeiras tornam-se ainda mais importantes”. Vejo que a tecnologia é fundamental na alavanca dos processos de mudança, mas vejo que a qualidade das relações humanas vai garantir o sucesso das organizações no curto, médio e longo prazos.

De um lado a tecnologia tem nos apoiado com soluções de eliminação de tarefas rotineiras, por exemplo, com a chegada dos RPAs (Robotic Process Automation), eliminando atividades que não agregavam valor na folha de pagamento, assim como estamos avançando com o projeto de análises preditivas com o suporte do Watson da IBM (quebrando muitos antigos paradigmas pela profundidade das suas análises).

Porém, do outro lado estamos nos distanciando muitas vezes dos seres humanos e perdendo importantes conexões. Por isso criamos a escolha de RH para de fato nos transformarmos em um arquiteto de soluções de humanas. O segredo é saber onde não devemos substituir o contato entre as pessoas.

MC – Falando em tecnologia, há a ideia de digitalizar a folha de pagamento para aumentar o tempo de contato físico entre profissionais do RH e funcionários. Como anda esse processo?
GL - Estamos bem avançados em nosso projeto de criação da Central de Soluções Compartilhas (CSC), e nela estamos testando a utilização de RPA (Robotic Processs Automation). Com isso nosso time que processa as folhas de pagamento deixaria de executar processos operacionais, liberando-os para atuar em atividades que agregam mais valor aos nossos negócios e às pessoas do nosso Grupo. Por exemplo, atividades de inclusão e exclusão de benefícios no sistema, verificação de dados no cadastro para o e-social e conferência de funcionários ativos e inativos na fatura mensal dos planos de saúde podem passar a ser realizadas por robôs.

MC – Pelas mudanças que você se propôs a fazer, a estratégia usada foi de cima para baixo, ou seja, do alto escalão para os operadores. Geralmente é mais fácil fazer mudanças de conceito e atitudes dessa forma ou tudo depende do foco do projeto de reestruturação?
GL - Acredito que as mudanças devem acontecer de cima para baixo e de baixo para cima, mas para isso o mais importante é entender onde a tomada de decisão da organização acontece. E é neste grupo de pessoas que toma as decisões é que as mudanças de comportamentos devem começar e, com isso, irradiar para todas as esferas da organização as novas atitudes desejadas. Uma maneira bem simples de se ter sucesso em mudanças organizacionais/culturais é a criação de ritos genuínos de reconhecimentos dos novos comportamentos e resultados almejados.

Divulgação No Programa de Excelência Fabril (PEF), os funcionários passam por ações de aprendizagem.

MC- Em Salvador você desenvolveu um projeto que incentiva os operadores de máquinas a estudarem. Eles deixam o posto de trabalho, mas retornam com mais bagagem. Como tem sido o resultado? Acha que é possível estender o projeto para outras partes do grupo?
GL - Este projeto se chama Programa de Excelência Fabril (PEF). Foi desenvolvido pela equipe de RH da nossa planta de Salvador do segmento químico com a equipe da operação e o Sesi. Por meio de 20 módulos, profissionais de diferentes perfis da operação de produção estão participando de ações de aprendizagem que vão desde autoconhecimento, visita ao mercado, acesso à tecnologia digital, até marketing. Ao final do programa todos os participantes terão que apresentar e implementar projetos de melhoria contínua e os melhores projetos serão reconhecidos.

O projeto será concluído no final de 2017, mas, mesmo assim, algumas melhorias já começaram a surgir. A ideia é tratar este projeto como piloto e, a partir de 2018, o mesmo será desdobrado para as demais unidades fabris deste nosso negócio. O diferencial, além dos temas alinhados ao nosso planejamento estratégico, que são a base do programa e a metodologia de aprendizagem utilizada, é que a parada integral destes funcionários do dia a dia de trabalho na fábrica foi um grande paradigma que rompemos.

MC – O Watson vem ajudando muito vocês a encontrarem os caminhos ainda mais assertivos para mudanças, principalmente no que diz respeito aos funcionários. Pode nos contar as contribuições efetivas que essa ferramenta trouxe?
GL - Estamos em fase de aprovação de um projeto que utilizará o Watson da IBM para cruzar e analisar as informações de uma pesquisa de engajamento, informações do painel de indicadores do RH, informações do mercado, da área comercial e de produtividade fabril. A ideia é ter análises não mais estatísticas, mas sim preditivas, ou seja, que nos ajudem a prever o futuro com mais segurança, aprimorando o processo de tomada de decisões de negócios baseada em informações de gente.

Podemos descobrir por exemplo, que um funcionário de três anos de casa, com dois filhos, que mora a 2 km da nossa unidade, contribuiu para o aumento da EBITDA no canal varejo mais do que o funcionário que mora mais distante do trabalho e tem menos filhos. Loucura, não é? Não! É o futuro da tecnologia sendo utilizado para o novo RH! Estamos avançando com estudos também para utilizar tecnologia em nossos processos de recrutamento cognitivo.

MC – Outro projeto que você criou foi o crownddream, no qual empresas parceiras ajudam funcionários do Grupo Baumgart a realizarem seus sonhos. Por que você optou por começar pela liderança?
GL - O crowddream está em fase de testes (action learning) e surgiu dentro do nosso novo formato de Programa de Liderança. A criação dele surgiu por influência do crowdfounding (financiamento pelas multidões), e seu objetivo é apoiar, dar um gás na carreira dos nossos profissionais, por meio de uma plataforma tecnológica e do apoio de profissionais do Grupo Baumgart e de fora. A ideia é a mesma do crowdfounding, mas ao invés de nossos funcionários financiarem projetos abertos, eles irão solicitar “investimentos” de ações para eles alavancarem os seus planos de desenvolvimento de carreira e muitas vezes de sonho.

A proposta surgiu num grupo de estudos do Kopien, a partir das análises de causa-raiz dos nossos maiores desafios organizacionais, que detectaram que, se os nossos funcionários investissem mais tempo e maior profundidade no crescimento dos seus planos de vida e carreira, conseguiríamos alavancar ainda mais os resultados dos nossos negócios.

MC – Alguns líderes ainda têm muita dificuldade de delegar e de se tornarem coadjuvantes da equipe, adotando posturas de chefias e se tornando super-heróis atolados e sem tempo para se dedicar à equipe. Você disse que encontrou alguns desses perfis na empresa. Sendo assim, acha que um novo olhar sobre a gestão de pessoas e sobre a liderança pode mudar esse comportamento?
GL - Criamos um Comitê de Colaboração para a mudança, cujo nome é Kopien. Este grupo está construindo o novo Programa de Liderança, redefinindo os novos comportamentos, além de construir e validar os novos processos, políticas, programas e ferramentas de Gente e Gestão, alinhados a este novo papel da Liderança. Percebo que mais do que o mundo dentro das organizações, o mundo fora é que está forçando os líderes a mudarem o seu mindset, os novos comportamentos dos consumidores, as novas plataformas de tecnologia, a exponencialidades e os novos modelos de negócios, como Uber, Airbnb, GoogleX, ou você muda ou você dança, acredito que foi daí que surgiu a palavra mudança.

MC – O Grupo Baumgart tem mais de 1000 funcionários. Como fazer com que eles se sintam importantes individualmente em um momento no qual se fala tanto de motivação, engajamento e produtividade?
GL - Estamos, por meio da estruturação do novo Programa de Liderança do Grupo Baumgart, trabalhando pela adoção de novos hábitos da construção de relações de confiança, principalmente entre líderes e liderados. Outra forma de entendermos e respeitarmos mais esta singularidade junto aos nossos funcionários são as ferramentas de pesquisas e análises de contexto, a proximidade dos RHs e a criação de espaços mais colaborativos.

MC – Quais os próximos projetos para tornar mais eficaz a gestão de pessoas do Grupo Baumgart?
GL - Estamos trabalhando em inúmeros projetos, dentre eles destaco a implantação de Apps de geração e compartilhamento de conhecimento, dos estudos em melhorias da inteligência e tecnologia por trás dos nossos processos de atração, recrutamento e identificação de talentos (dentro e fora das nossas empresas), um plano de criação e fortalecimento da marca empregadora, além do desenvolvimento dos novos Programas de Porta de Entrada e Incubadora.

MC – Você acredita muito numa liderança colaborativa. Acha que este é o futuro? Como dar o primeiro passo para esse conceito sair do papel?
GL - Em um mundo onde o crescimento da tecnologia e dos negócios é exponencial, não cabe mais temos espaços para líderes autoritários e centralizadores, devemos ter e criar espaços para a troca, para a prática da humildade pedagógica (aprender a aprender e aprender a desaprender) e da colaboração. Por isso afirmo que a palavra liderança dará espaço para a palavra e as atitudes de “colaborança”.

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