Acredito que nossa capacidade de escuta nesses tempos de liderar pessoas que fazem home office merece alguma atenção.
Já não temos mais a algazarra do escritório da qual tanto nos queixávamos, que não permitia a nossa concentração e, se temos, a tendência é que ela diminua e/ou termine.
Nesses tempos de crise, as organizações têm reduzido suas estruturas e, além disso, têm adotado o modelo de home office, que faz com que algumas pessoas trabalhem em casa alguns dias da semana. Além disso, no modelo das corporações que tendem a sobreviver, elas naturalmente crescem e acabamos chefiando gente que não necessariamente está perto de nós.
Este modelo híbrido de ter gente sob nossa gestão que está “perto e longe” requer uma atenção especial da nossa parte. Sabemos que nos dias de hoje a comunicação já se dá de uma forma diferente. As pessoas nos acessam por WhatsApp, esperando uma resposta imediata –foi por este motivo que migramos do e-mail para mensagem instantânea –, e nem sempre respondemos imediatamente porque estamos ocupados ou porque, por um motivo ou por outro, não desejamos responder naquele minuto. Assim, já é uma comunicação, como eu chamo, mais tendenciosa.
Ela é mais rápida que o e-mail, mais informal, mas, mesmo assim, sujeita às nossas próprias interpretações, ao nosso humor, aos nossos próprios preconceitos. Desse modo, isto pode ser perigoso. O WhatsApp é imediato, não tão pensado quanto o e-mail, e o brasileiro é mais emocional. Uma piadinha mal colocada, um silêncio prolongado, uma reclamação exagerada e nossa avaliação do nosso funcionário à distância pode sofrer com isso.
O funcionário reclama porque, no seu papel de líder, você demorou para lhe dar uma resposta. Ou ele reclama porque você dá mais atenção a quem está perto. Parece mesmo que um deles está com uma “crise de ciúmes”. Ou um membro de sua equipe lhe diz pelo WhatsApp que alguém não está colaborando ou não lhe forneceu as informações a tempo para completar um relatório importante, mas a forma como isso vem escrito (sem falar nos erros de Português que agora aparecem de forma mais grotesca), lhe parece mais infantil ou colocada de forma acintosa.
Parece que agora essa geração, sem a barreira do “falar ao vivo”, fala mais o que pensa e não se submete a ficar calada! A gente acha até que falta com o respeito em algumas situações. As pessoas dizem que isso não é verdade, que apenas se expõem mais, mas o fato é que você não está mais frente a frente para esclarecer tudo isso; os modelos mentais mudaram e a comunicação por WhatsApp dá margens a interpretações pessoais, carregadas de sentimentos pessoais.
Ninguém me contou que chefiar nos tempos de WhatsApp seria tão complexo!!!
O quanto estamos preparados para esta nova forma de comunicação? O que fazer nessa hora, na qual os sentimentos ficam tão conflitantes?
E, na verdade, digo que isto é importante tanto na vida organizacional quanto na vida pessoal. Quantas vezes ficamos mexidos com um WhatsApp (ou com a demora dele) de um namorado, de um parente ou um amigo?
Nessa hora, leve o bom e velho telefone celular para a orelha e faça uma ligação. Nada substitui o contato direto. Exatamente porque o contato agora na relação chefia/subordinado se dá de forma mais distante, é importante se manter próximo.
Diga o que está lhe incomodando. Esclareça, converse, seja mais direto, mais europeu e menos brasileiro: direto ao ponto. A gente está perdendo esta habilidade. A de falar e, principalmente, a de escutar.
Já dizia Rubem Alves, que ele sempre viu anunciados cursos de oratória, nunca os de “escutatória”. Nesses tempos de gestão à distância, nesses tempos de WhatsApp, está na hora de exercitarmos mais esses dois hábitos.